Como em outras obras, esse Espírito
fascinador, que se intitula Dr. Inácio Ferreira, continua, pelo médium Carlos
Antônio Baccelli, a sua faina de atacar os espíritas sérios, de ridicularizar o
Espiritismo, tentando diminuir-lhe o valor, através de diálogos corriqueiros,
chulos, impróprios para comentários em círculos de algum refinamento
espiritual. Agora, depois de tentar minimizar a figura de Chico Xavier através
da obra “Chico Xavier Responde”, tenta minimizar sua obra de maior impacto: “Nosso
Lar”, numa demonstração de flagrante oportunismo, diante da divulgação que se
fez em torno dos nomes do médium Chico Xavier e do livro “Nosso Lar”.
Quem lê o título da obra imagina que
terá em mão um estudo sério, do ponto de vista espiritual, sociológico,
esperando um detalhamento mais avançado de como se desenvolvem as atividades
lá.
Como se sabe, “Nosso Lar” é uma
comunidade formada por Espíritos desencarnados, onde intensas atividades de
socorro, de educação espiritual e de preparação de novas encarnações são
levadas a efeito. Mas, a decepção do leitor se acentua à medida que lê, tomando
conhecimento dos diálogos pueris, vazados no mesmo linguajar rasteiro,
incompatível com a seriedade e dignidade da doutrina
Espírita, conforme suas obras anteriores.
Espírita, conforme suas obras anteriores.
Colocaremos as palavras do livro
em negrito e os nossos comentários em tipo normal. Logo no
início, o Dr. Inácio transcreve um diálogo em que seus interlocutores o
bajulam, e ele, como sempre, não perde a oportunidade de vangloriar-se:
– Talvez pela linguagem
utilizada, o meu jeito espontâneo de ser – não consigo ser o Inácio que muitos
querem que eu seja!
– Não é só pela linguagem, não! –
observou a confreira – O problema é que o senhor é direto no que diz: não
efetua rodeios com a palavra. (20)
Uma afirmativa atribuída a André Luiz:
“Não adestrara órgãos para a vida nova”, é usada em conversa própria de mesa de
bar, entre Manoel Roberto e Domingas, que diz: “Tenho que me controlar
para não atacar as panelas... da Terra! Não fosse o relativo esclarecimento que
possuo, estaria vampirizando os inveterados comedores de carne apimentada!
Após breve intervalo, Manoel Roberto
testemunhou:
– Confesso que, de minha parte, não
adestrei órgãos sexuais... Não preciso dizer mais. Ou preciso? (21)
O Dr. Inácio não esclarece como
funciona esse correio do Mundo Espiritual, que lhe leva cartas da Terra e as
coloca sobre sua mesa...
... vasculhando papéis sobre a mesa, me
deparei com a carta que uma irmã me endereçara da Terra.
– Dr. Inácio, – escrevera ela –, fico
encantado (sic) com o seu amor aos animais... (95)
A partir daí, Dr. Inácio usa cinco
páginas do livro em que pretende estudar “Nosso Lar”, para discorrer de maneira
descompromissada com a seriedade esperada numa obra espírita, sobre gatos e
reencarnação, terminando com essa afirmativa irresponsável, capaz de confundir
qualquer neófito que esteja interessando em informar-se sobre evolução
espiritual, quando afirma que o espírito que estagia num gato pode passar
diretamente a animar um corpo humano:
Assim como Sônia (uma gata que
foi dele quando encarnado) pode estar numa dessas morenas que desfilam
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, o seu Lênis – quem
sabe? – pode estar num desses recém-nascidos ainda sem nome, à espera de seus
braços, que, como os meus, também se frustraram para a bênção da maternidade
nesta vida. Eu tenho plena convicção de que você se derreterá toda, ao ouvir
uma dessas crianças chamá-la de mamãe ou de vovó! (100)
Só no capítulo 13, já na página 108 do
livro, é que se forma um grupo para estudar “Nosso Lar”. Até aqui, diálogos
banais, entremeados de auto-elogios ou de bravatas do Dr. Inácio:
– O senhor , então, vai continuar
escrevendo? – indagou por último.
– Eu não sou homem de me intimidar, meu
caro. Passar bem! (107)
É importante que se atente aos diálogos
estabelecidos entre Dr. Inácio, Dr. Odilon, Domingas e Manoel Roberto. Todos
estão no mesmo plano espiritual e tecem comentários sobre as sensações dos
espíritos no Mundo Espiritual, como se lá não estivessem, todos, inclusive os
150 participantes do painel, sujeitos às mesmas condições:
– Um pouco mais adiante – frisei –,
neste segundo capítulo, no sexto parágrafo, André Luiz considera textualmente:
“Persistiam as necessidades fisiológicas sem alteração.”
O auditório estava em suspenso. (115) Será que
não tinham noção da própria condição de espíritos desencarnados? Precisariam
estudar isso num seminário? A obra em análise não se destina ao estudo de
“Nosso Lar”? O “estudo” prossegue como se fosse uma conversa informal entre
desocupados... Será que os 150 participantes estariam ali para ouvir um
“bate-papo” descontraído?
Observe-se essa afirmação atribuída ao
Dr. Odilon que, segundo Dr. Inácio, é um orientador, distorcendo
atemorizadoramente a lei de causa e efeito:
– Conheci uma pessoa que tinha vaidade
do timbre da própria voz... Coitado, com toda certeza, se já não aconteceu, irá
renascer mudo ou com uma voz igual à minha: mais rouquenha,
impossível! (130)
A seguir, completamente fora de
contexto, talvez para encher páginas do livro, transcreve a carta atribuída ao
Senador Públio Lêntulos, terminando o capítulo com esta justificativa da saída
do
assunto:
– Vocês estão vendo como a gente vai
longe, quando se dispõe a estudar qualquer tema da Vida à luz da Doutrina, que
é Fé Raciocinada?(132)
Prosseguindo, gasta páginas com
brincadeiras, malbaratando o tempo de quem comprou um livro na busca de
esclarecimento, pois apesar de ter a obra o título Estudando “Nosso
Lar”, no capítulo que toca a questão do vestuário dos desencarnados, nada
acrescenta de elucidativo. Só brincadeiras e auto-elogio:
– Olhe, Doutor, em sua companhia, eu
ficaria até duzentos (anos no Umbral); todavia, sem o senhor, nem um
só dia! (139)
Nos capítulos seguintes, prossegue num
relato de conversação banal, entremeado de citações de trechos de “Nosso Lar”,
sem, entretanto, tecer comentários conducentes a maior compreensão do livro.
Anuncia uma ida à Fundação Emmanuel a
fim de tratar de assunto muito sério, mas o que fazem, ele e o seu grupo,
acompanhados do Diretor da Fundação, é vir à Crosta visitar uma instituição
espírita. Adiante, comenta e existência de cães e cavalos, referidos por André
Luiz, não resistindo à tentação de fazer seus comentários:
– Cavalos e cães que, além de comer,
fazem sexo...
– Eu sabia que o senhor chegaria aí! –
comentou Domingas. (254)
A seguir, volta a bater na tecla da
reencarnação no Mundo Espiritual:
– O que vocês diriam se aqui, no Mundo
Espiritual, os homens pudessem se relacionar sexualmente, como se relacionam,
sem função reprodutora?
Virando-me na direção de Rodrigo,
interroguei:
– Você sabe de algum de seus colegas,
ou você mesmo, que não faça sexo por aqui?
– Não, Doutor, não me peça nomes. Mas
não sei de ninguém – descontraiu-se o inteligente rapaz, levando os colegas a
sorrir. (255)
A seguir, comenta o fato de haver
pomares em “Nosso Lar”, concluindo que se há reprodução vegetal, há também a
humana, esquecido de que os frutos de uma árvore não constituem uma
individualidade:
– Isso é uma aula de botânica! Brincou
Domingas.
– Muitos dirão que é pornografia... Uma
banana para eles, de preferência verde! (256)
O mesmo erro de interpretação o Dr.
Inácio comete quando comenta a existência do íbis, aquela ave semelhante ao
urubu. Sabe-se que essas aves, como cães e cavalos, se manifestam no Mundo
Espiritual com seus perispíritos, conforme se dá com os homens, mas também aí o
Dr. Inácio semeia confusão:
– Todavia, minha cara, a espécie mencionada
por André Luiz, íbis viajor, como disse, é nativa do Mundo
Espiritual, posto que em nenhuma das espécies, com que essa ave pernalta se
parece na Terra, revela as mesmas características, ou seja: “devorarem
as formas mentais, odiosas e perversas, entrando em luta franca com as trevas
umbralinas”... (258/259)
Sempre fugindo de fazer comentários
sobre “Nosso Lar”, como proposto no título da obra, Dr. Inácio transcreve o
seguinte diálogo, com o jovem Rodrigo, a respeito de banho:
– Aqui tomo mais banho do que tomava lá
embaixo, quando, tantas vezes, chegando suado do futebol!...
– Eu não sabia que estávamos
conversando com um goleador!
– Goleiro, Doutor – eu era goleiro!
Minha mãe tinha que brigar comigo para que eu não dormisse sem banho...
– E chuteira fede!
– Tênis fede mais! Eu era goleiro de
futebol de salão...
– Então, sua mãe, Rodrigo, é uma santa:
aquele chulé dentro de casa, à noite... (262)
E o diálogo humorístico continua:
– Viu, meu filho, como sou portador de
doença contagiosa?
– Quem me dera possuir, pelo menos, a
metade das doenças do senhor!
– Pronto! Agora está me puxando o
saco... E o pior, não, o melhor é que espírito também tem isso...
(Literalmente, abrindo um parêntese,
deixem-me aqui apreciar a cara dos ortodoxos que, com certeza, estarão
exclamando, quase a espumar pela boca: Blasfêmia! Pornografia!
Mistificação! Espírito chulo! Anátema! Para a fogueira! Sabe qual a minha
resposta: ah, ah, ah, ah!...) (264)
Conforme já foi dito, o livro é
constituído de diálogos banais, de brincadeiras e de referências desairosas a
espíritas e ao Movimento Espírita, quando não é um discurso louvaminheiro ao
Dr. Inácio:
– O pessoal o estima muito, Doutor –
ponderou Domingas. – Para cada um que lhe torce o nariz, o senhor tem mil que
lhe sorriem!
– Eu não mereço, não...
– Merece, sim!
– O nariz torcido?
– O senhor está se referindo é a ele?
– Pensou que fosse ao quê, Domingas?
– Esse Inácio! Deus o fez e quebrou a
forma – suspirou Modesta.
– Quebrou de arrependimento! E o pior é
que me fez imortal: agora tem que me aguentar pela Eternidade!... (268/269)
Algo difícil de ser entendido é o fato
de Espíritos – habitantes do Mundo Espiritual – reunirem-se, num seminário,
para receber esclarecimentos básicos de fatos que vivenciam habitualmente, como
alimentação, higiene, uso de vestuário, etc.
Inicialmente, o grupo era de 150, mas
cresceu:
– Domingas, vocês estão me enganando...
Aqui tem mais de 453 pessoas! (271)
Nesse capítulo, anunciou que iria falar
sobre a água em “Nosso Lar”, mas apenas teceu comentários filosóficos e
bíblicos, terminando assim:
– Então, podemos concluir que, na
verdade, a desencarnação é fenômeno de desidratação! (273)
Nos capítulos seguintes, nada de estudo
sobre “Nosso Lar”. O Dr. Inácio recebe em seu consultório, como se fosse na
Terra, clientes agendados. Sua mesa, em desordem, encontrava-se abarrotada de
cartas chegadas da Terra, às quais ele deveria responder. Só não explicou como
elas chegaram nem como seguiriam as respectivas respostas...
Continuando, relata conversas sem
nenhuma ligação com o título do livro, citando trechos da obra de André Luiz,
mas sem qualquer elucidação séria. Comentando a entrevista que André Luiz teve
com Clarêncio – que daria ensejo a sérias reflexões – não perde a oportunidade
de fazer humorismo de mau gosto, depois de citar a postura do Ministro, em vez
de citar seu ensinamento: – Clarêncio, contudo, levantou-se sereno e
falou sem afetação”...
– O que o senhor enxergou nesta frase?
Ela não tem nada! – objetou a senhora de inteligência vivaz.
Olhando de um lado para outro,
novamente vigiando os movimentos de Odilon, elucidei:
– Com o perdão da palavra, eu enxerguei
as nádegas...
– As nádegas?! – quase que perguntaram
em coro.
– É claro! Se Clarêncio se “levantou” é
porque ele estava sentado! E se estava sentado, espírito tem nádegas!
Concordam?
– Interessante! – tornou o nosso arranhado e
humanizado “disco de vinil”...
– Interessante o quê?! As
nádegas?! – balbuciou um dos mais moleques, levando todo o mundo a gargalhar.
– O Ministro Clarêncio não estava lá
levitando, não! – disse, procurando controlar a turma. – Como qualquer mortal,
ele estava sentado! Isso nos leva a inferir o quê?
– Que não faltam cadeiras no Mundo
Espiritual! – respondeu alguém.
– Nem camas, porque André Luiz estava
deitado! – observou outro.
– Que espírito não é uma fumaçazinha,
que ande deslizando por aí! – intrometeu-se mais um.
– E que, evidentemente – disse eu –,
com todo respeito, que o Ministro não estava despojado da região glútea!
– Interessante!
E emendei:
– Que ele é humano! Que somos todos
humanos! A menos que, dentre vocês, haja alguém desprovido dos músculos glúteo
máximos, médios e mínimos!
– Doutor – perguntou a Coordenadora,
quase não se contendo –, o senhor vai colocar isso em livro?
– O quê?! Os glúteos?! Vou, sim, por
que não?!...
– O pessoal do contra...
– Deixe o povo discutir se espírito tem
nádegas ou não. Domingas, isso parece não ter importância nenhuma, mas é
importantíssimo para a compreensão da anatomia dos defuntos, que
somos nós! Temos ou não temos o direto de manter as nossas nádegas, e tão
enrijecidas quanto possível?
– Interessante! – atalhou o boquiaberto
companheiro.
– Qualquer coisa, a gente pode
organizar uma passeata, Doutor!
– Pronto! Tem gente infiltrada aqui!...
– E com faixas , com dizeres à altura
de...
– Alto lá! – aparteei, com a turma a se
contorcer. – Reivindico para mim o direito de sugerir os ditos a serem
estampados em defesa do bumbum, pois afinal de contas, estamos desencarnados,
mas não descarnados!
A essa altura, com a aproximação de Odilon
e Modesta, atraídos pela nossa algazarra juvenil, entramos em silêncio.
Será que alguém que promove um
seminário para 150 Espíritos, no Mundo Espiritual, o estaria desenvolvendo em
meio a uma algazarra? Será que o Dr. Inácio Ferreira, depois de dirigir um
hospital psiquiátrico na Terra, durante cinquenta anos, estaria fazendo o papel
de animador de auditório em espetáculo de baixa qualidade no Mundo Espiritual?
E o ambiente retratado seria de tanto deboche, desrespeito e irreverência a
ponto de causar preocupação com a chegada de dois outros Espíritos...
– Sobre o que conversavam – perguntou
Modesta –, que sorriam tanto?
– Deixem-nos participar também! –
surpreende-nos o Instrutor, passando amistosamente o braço sobre o meu pescoço.
Agora, coloca o Dr. Odilon no mesmo
nível...
– Sabem o que é – tentei explicar,
piscando para a turma –, nós estávamos a falar sobre a fisiologia complexa de
certos músculos esqueléticos que, não pertencendo, propriamente, à região
lombar, nem tampouco à parte posterior da coxa...
– Ah, Doutor, simplifique: sobre as
nádegas! – exclamou Odilon, a quem positivamente nada escapava.
Entre sorrisos que se multiplicaram,
confesso que só pude escutar a fantasmagórica voz, repetindo
feito um badalo:
– Interessante!... (343/346)
Assim o “Dr. Inácio” termina seu livro
“Estudando Nosso Lar”. Essa obra, como tantas outras escritas por esse Espírito
fascinador que se apossou das faculdades do médium, é uma agressão à Doutrina
Espírita, à nobre figura de Francisco Cândido Xavier, ao Dr. Inácio Ferreira, a
André Luiz e à sua obra magistral.
Deve ser lembrado que se essa obra se
destinasse a esclarecer pormenores da vida no Mundo Espiritual, ela deveria ser
dirigida a encarnados e não a desencarnados que, em auditórios, estariam a
ouvir esclarecimentos e comentários a respeito daquilo que já constituiria a
realidade deles. É, além de tudo, uma agressão, não só à Doutrina Espírita, mas
também à argúcia do leitor.
José
Passini
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