Ao lermos um livro novo sempre surgem
questionamentos, para os quais buscamos respostas, que deverão ser claras para
nós, antes de as “passarmos para frente”, principalmente se estamos na condição
de expositor, evangelizador ou de escritor. Atualmente, nota-se uma onda
avassaladora de novas obras, algumas até atraentes pelas novidades, mas que
postulam leitura atenta e análise criteriosa, a fim de que os malefícios de um
deslumbramento inoperante não nos atinjam.
O livro em pauta, de autoria atribuída
ao Dr. Inácio Ferreira, psicografia de Carlos A. Baccelli, mostra um Espírito
muito diferente do Dr. Inácio Ferreira retratado por Manoel Philomeno de
Miranda, na obra “Tormentos da Obsessão”, psicografada por Divaldo Pereira
Franco. Nesta obra, fica-se sabendo que o ilustre clínico é responsável por um
pavilhão da grande instituição hospitalar fundada por Eurípedes Barsanulfo,
onde são tratados, amorosa e respeitosamente, médiuns que falharam no
desempenho de suas missões. Causa estranheza, na obra ora sob análise, o
ilustre clínico apresentar-se como personagem controversa, que se ufana de sua
rudeza, cuja tônica, nesta e em outras obras, é atacar os espíritas e, mais
particularmente, os médiuns, usando uma linguagem, no mínimo, vulgar.
Reparto com meus irmãos as minhas
dúvidas, sem levá-las á imprensa, por julgar não ser, pelo menos por enquanto,
produtiva tal atitude. Os trechos em negrito foram
transcritos ipsis verbis da obra citada; os números entre
parênteses se referem, às páginas:
Os ataques aos espíritas são
freqüentes:
– O espírita tem a mania de se julgar
sempre com a verdade.
(16)
Em conversa com Maria
Modesto Cravo – com quem trabalhara em reuniões mediúnicas quando encarnados –
e com outro Espírito, fica sabendo que eles visitam regularmente o Sanatório
que ele dirigira até a desencarnação:
– Sim, de quando em quando, aparecemos por lá, não com a freqüência com que nos
reclamam a presença, mas aparecemos...
– Até você já apareceu, Inácio, depois de morto...
– Como?! Eu não tenho nenhuma lembrança... Estou-me sentindo até
impossibilitado de caminhar por aqui...
– Pois é, com menos de um mês de
desencarnado, ao que bem estamos sabendo, você já estava dando comunicação...
(...)
– Todavia, como é possível um espírito dar comunicação sem o saber?
Questionei estupefato. (...)
–
Os amigos reunidos evocaram a sua
presença...
–
E eu compareci sem o saber?
–
Não, com você não foi assim. A mente do médium rastreou o seu
psiquismo...
– Às vezes, quando o espírito não vai ao médium, o médium pode ir
ao espírito, Doutor – sintetizou Manoel Roberto.
– De certo modo, embora tivesse deixado o corpo, o seu psiquismo pairava no
ambiente do Sanatório...
– E o médium conseguiu expressar com clareza o meu pensamento?
– Em linhas gerais, sim. Digamos que, no específico, não.
– O que foi que eu falei?
– Fez algumas recomendações evangélicas, agradeceu... (32 / 34)
Onde, afinal de contas, se encontrava o Espírito Inácio Ferreira naqueles
trinta dias? Como seria possível estar alojado no Plano Espiritual que o
acolheu, e dar comunicações sem o saber? Seria compreensível que o médium,
desdobrado, pudesse tê-lo entrevistado no Mundo Espiritual, o que é muito
diferente de o seu psiquismo que pairava no Sanatório dar
uma comunicação... O Autor faz confusão entre psicometria e psicofonia /
psicografia. Através destas, o Espírito pode transmitir uma mensagem atual;
através daquela, só é possível a captação de cenas já vividas no passado.
Vê-se claramente: ou o total desconhecimento do assunto ou o desejo de
confundir, de desacreditar a mediunidade. Afinal o que quer dizer: o
seu psiquismo pairava no Sanatório? Nota-se um perigoso
incentivo para o surgimento de médiuns “rastreadores”, cujas mensagens seriam o
fruto de captações de remanescentes fluídicos em determinados ambientes. Isso
mais parece ficção, uma espécie de captação de imagens e sons através dos
tempos. Não será estranho se aparecerem “médiuns” captando o psiquismo de
Kardec, vez que na obra não foi definido um tempo de permanência desse
“psiquismo pairante”...
Ao ser convidado a participar de uma reunião mediúnica no Sanatório de Uberaba,
onde, quando encarnado, fora diretor, responde:
– Para quê? Só se for para xingá-los... (Por favor sr. Médium e
sr. Revisor, não me queiram tolher a liberdade de dizer o que penso, da
maneira que penso.) Aliás, para que saibam que sou eu, basta mesmo que eu abra
a boca ou... que acenda um cigarro. Vou dizer a vocês o que penso: Os meus
gatos, que ainda sobrevivem no Sanatório, apesar da vontade de alguns de
expurgá-los, serão melhores intérpretes meus do que os médiuns que andam por
lá... (...) Os médiuns não querem estudar, não querem disciplina... Ficam
parados ao redor da mesa feito uns robôs; nem pensar eles pensam; esvaziam a
mente de idéias, esperando que os espíritos façam tudo... Isto não é
mediunidade, se o pobre do morto pudesse fazer tudo sozinho, os médiuns seriam
meras figuras decorativas. E, depois, mentem: dizem que são inconscientes, que
não se lembram de nada. (158 / 159)
Continuando seus ataques aos médiuns do grupo que dirigiu, no Sanatório:
– O médium me acolhe, me agasalha, abre a boca e só deixa
passar o que não conflita com os seus pensamentos. Sendo assim, o que
vou fazer lá? Passar raiva? Passar raiva, eu passava na condição de
doutrinador, de dirigente dos trabalhos mediúnicos do Sanatório, que fui por
mais de cinqüenta anos... (159 / 160)
Se o grupo mediúnico era tão ruim, como pôde tolerá-lo durante cinqüenta anos?
Note-se que ele ainda não retornara àquele grupo depois de desencarnado, logo
essas impressões ele já as tinha antes de desencarnar:
– Nós, os consideramos mortos, em matéria de mediunidade temos que nos
contentar com percentagem: 30% nossos, 70% do médium... Quando, pelo menos, são
50% para cada lado, vá lá... Raro o médium que nos permite o empate. Isso sem
falarmos nos médiuns que vivem colocando palavras inteiramente suas em nossos
lábios: é um tal de termos dito, sem termos dito nada... (...) Os médiuns
hoje querem improvisar... Quanta mistificação!... (160)
Mas a crítica aos médiuns não se restringe apenas àquele grupo. É generalizada:
– O cenário vocês já conhecem, de uma reunião mediúnica: médiuns
chegando em cima da hora, com justificativas vazias: “estava com visita em
casa”, “choveu na hora de sair”, “desarranjo intestinal”, “o telefone tocou”...
– Apenas dois espíritos, dos muitos que estam no recinto, lograram dar
o ar da graça naquela noite, através da medianeira anônima: um que havia
cometido o suicídio, e eu, que, se pudesse, estrangularia alguém. (161)
Mais adiante, lembrando-se de que seu livro estava sendo escrito através de um
médium, tenta isolá-lo do ataque generalizado que vinha fazendo:
– A rigor, não posso me queixar. (...) Escrevendo agora sob a ação
desta crise de seriedade que não sei de onde me veio, digo-lhes que quase todos
os comunicados mediúnicos atribuídos a mim são autênticos. (166)
Em meio aos comentários sobre mediunidade e médiuns, são inseridas essas
declarações do Irmão José, a quem chama Benfeitor,
transcritas sem qualquer comentário, logo inteiramente endossadas pelo Autor
Espiritual:
(...)
Não devemos culpar a Igreja pelos rumos que imprimiu ao Cristianismo; sitiada
espiritualmente, não raro se viu na contingência de ter que ceder a pressões
para sobreviver. Não condenamos a instituição que, durante séculos, foi a
guardiã dos princípios que nos são caros. Os homens é que, dominados por
interesses estranhos, a desfiguraram. (179)
Ao
dizer que a Igreja não pode ser responsabilizada “pelos rumos que imprimiu ao Cristianismo”,
o autor da declaração quer imputar a responsabilidade aos “homens que,
dominados por interesses estranhos, a desfiguraram”. Quem são esses homens, se
não membros da própria Igreja? Ou será que o autor está querendo definir a
Igreja como entidade “fundada por Jesus” e independente dos homens? É fato
notório que as pequenas comunidades cristãs dos primeiros tempos foram
rudemente perseguidas. Mas, ainda no decorrer dos primeiros séculos, homens
ávidos de poder, arrogando-se a condição de depositários absolutos da Mensagem
Cristã, constituíram a Igreja. A partir daí, essa entidade, através dos homens
que a compunham, passou a desfigurar a Mensagem Cristã, não tendo nunca cedido
a pressão de qualquer natureza. Pelo contrário, ela é que pressionou,
aterrorizou, perseguiu, encarcerou, torturou e executou muitos daqueles que se
opunham à sua sede insaciável de domínio.
Outra afirmativa que
causa espécie: “a instituição que, durante séculos, foi a guardiã dos
princípios que nos são caros”. Que guardiã foi essa que, de posse das
Escrituras, fez-lhes modificações e adaptações, de acordo com seus interesses?
Foi a Igreja que criou o profissionalismo religioso entre os cristãos, a
Santíssima Trindade, as indulgências, os rituais, as liturgias, os decretos de
beatificação e santificação, os sacramentos, os ofícios religiosos pagos, a
confissão auricular, os ídolos, o Purgatório, o Inferno de penas eternas e,
acima de tudo, a Inquisição.
Como é que se publica
uma defesa dessas numa obra que pretende ser espírita, se a Igreja, sem
necessidade nenhuma de “sobreviver”, já toda consolidada e poderosa, perseguiu
duramente o Judaísmo, o Protestantismo e o Espiritismo o quanto pôde?
Depois
de defender a Igreja, o Irmão José, a título de defender o Espiritismo, centraliza,
também ele, seu ataque contra a quase totalidade dos médiuns:
– (...) Se não vigiarmos o suficiente, a Doutrina Espírita, que se
propõe reviver o Evangelho, se desviará de suas finalidades; infelizmente, os
prenúncios já aí estão... Pretensão à infalibilidade, elitismo, personalismo;
isso tudo, sem mencionarmos o que se vem fazendo através da mediunidade – o
canal que, na maioria dos medianeiros, é ocupado por entidades contrárias ao
movimento de libertação de consciências que o Espiritismo propõe.
Imperceptivelmente, os médiuns vêm sendo hipnotizados por espíritos que os
dominam e que lhes inoculam n´alma o virus da ambição
desmedida. Difícil nos depararmos com quem não esteja a serviço de si mesmo na
Causa que abraçamos!... (180)
Depois desse infeliz comentário, relembra ao Dr. Inácio a reencarnação de
Torquemada, relatada no livro anterior “Sob as Cinzas do Tempo”, onde é
revelado que esse Espírito, habitando um corpo disforme, foi resgatado pelos
antigos perseguidores, depois de ter sido, no próprio berço, seu corpo engolido
por uma sucuri, conduzida por esses inimigos...
– Foi uma pena!... Tanto esforço do
mundo espiritual para nada. Ele já estava no corpo, no entanto foi descoberto
pelos antigos comparsas... Não podemos mais saber o paradeiro do seu espírito..
(181)
Aqui cabe uma pergunta: como é que um Espírito que recebeu uma nova
oportunidade de redenção, através de uma encarnação, pode, ainda na infância,
no próprio berço, portanto sem ter praticado nenhum ato que comprometesse a
oportunidade recebida, ser novamente arrebatado pelos antigos algozes? No livro
“Libertação”, André Luiz, ao manifestar sua estranheza por não ver crianças
naquela comunidade situada nas trevas, recebe a seguinte elucidação do
Benfeitor Gúbio: Se a compaixão humana separa as crianças dos
criminosos definidos, que dizer do carinho com que a compaixão celestial vela
pelos infantes?
Libertação, cap. IV)
O Irmão José continua explicando que Torquemada, depois de seqüestrado pelas
trevas, retomou a condição de adulto e foi amarrado a um poste de flagelação,
ficando a queimar como se estivesse numa fornalha ardente...
– Mas o Inferno existe? – perguntei intrigado.
– Sim, só que não é criação de Deus – respondeu o Irmão José, deixando-me
aparvalhado.
– O Inferno, em essência, está na consciência culpada, todavia, por vezes, ele
também se exterioriza...
– Localiza-se em alguma parte?...
– Como não?
– E Satanás – inquiri – existirá também? (181
/
182)
Será que o espírita, Dr. Inácio Ferreira, esqueceu-se da Doutrina só porque
desencarnou, e agora faz essas perguntas infantis? Entretanto, seu tom não é
tão infantil quando se refere aos espíritas:
–
Digo-lhe, sem receio de estar errando: a esmagadora maioria dos espíritas são
entidades que delinquiram. Agora, na condição de espírito livre, eu posso
enxergá-los melhor por baixo da batina, ops!, por
debaixo das vestes... Vejo antigos bispos e cardeais ocupando posições de
destaque no Espiritismo, perdidos à procura de uma hierarquia que, graças a
Deus, não mais existe. Quando ainda têm oportunidade de liderar, demonstram um
ranço religioso que trazem consigo desde muitas eras e mentem, continuando a
agir
hipocritamente. (199)
É verdadeiramente absurda essa acusação contra a esmagadora maioria
dos espíritas! Se os espíritas quando têm oportunidade de
liderar demonstram um ranço religioso que trazem consigo desde muitas eras e
mentem, continuando agir hipocritamente, como é que o Espiritismo tem
progredido tanto? Não dá para ver que essas palavras são oriundas de um
Espírito inimigo do Espiritismo, que só se refere a espíritas, a médiuns e ao
próprio Espiritismo para denegrir, menosprezar?
Ao preparar uma caravana para o resgate de Torquemada, algo digno de integrar
bom filme de ficção, relata instruções recebidas de outro Espírito:
– Vocês necessitarão de muita cautela. É possível que os líderes dos “dragões”,
a esta altura, já saibam; eles têm como rastrear os nossos
pensamentos... Possuem sensitivos a seus serviços – entidades que são
verdadeiras antenas psíquicas; muitos deles têm a capacidade de
deixar o pesado corpo espiritual e vir a nós, em estranho processo de
espionagem.
– Mas isto é possível? Pode o inferior subir ao superior?
– Quem lhe disse, Inácio, que somos superiores? A questão não é de moralidade,
mas de intelectualidade. Se, segundo as Escrituras Sagradas, o Demônio teve
acesso a Jesus para
– Quem lhe disse, Inácio, que somos superiores? A questão não é de moralidade,
mas de intelectualidade. Se, segundo as Escrituras Sagradas, o Demônio teve
acesso a Jesus para tentá-lo... (204 / 205)
Agora
são as Trevas que rastreiam a Luz! Deixando de
lado a questão do Demônio, o argumento é, também, absurdo, pois parece que o
Espírito admite o episódio da tentação como verdade. Além do mais, fica
parecendo que o Demônio teria mais intelectualidade do que Jesus!!!
No deslocamento da caravana que visava à libertação de Torquemada, O Dr. Inácio
dialoga com um espírito, um duende, como é chamado na obra, que diz
chamar-se Labelius.
– Quantos vocês são, por aqui?
– Somos mais ou menos cinquenta!... Não nos proliferamos tanto.
– Mas... nascem crianças entre vocês?...
– Não somos diferentes das flores e dos pássaros...Por que não nos reproduziríamos,
se uma simples semente se reproduz? Vejo que continuam não sabendo tanto da
vida... (241 /
242)
Segundo se entende, trata-se de Espíritos que não atingiram, ainda, a
humanização. É digno de nota o raciocínio claro e lógico do tal Labelius... E o
fato de proliferarem, nascerem crianças no Mundo Espiritual?!!!
–
Você já se reencarnou alguma
vez?
– Na espécie humana, uma única vez – respondeu.
– Somos como vocês, os humanos; uns mais, outros menos dotados de inteligência;
estamos mais próximos do mundo natural do que do mundo
racional... Somos um povo, uma raça com características definidas.
– Mas, se você
reencarnou como homem e voltou a ser duende, houve um retrocesso...
– Jesus Cristo teria se degradado por ter vivido na Terra, descendo das Esferas
Luminescentes que habita? – argumentou com lógica e surpreendentes noções. (244
/ 245)
Um Espírito, depois de encarnar como ser humano, voltaria à condição de
humanóide? Pela leitura do texto, verifica-se que esse humanóide tem capacidade
para avaliar os homens, entre os quais diz ter estado encarnado, tendo sido
compelido a voltar àquela condição sub-humana. Como conciliar isso com item 612
de “O Livro dos Espíritos”?
No seu raciocínio, esse humanóide faz uma comparação equivocada com a encarnação
de Jesus, que veio à Terra no cumprimento de uma missão. Labelius simplesmente
teria retornado à condição anterior. O Autor não percebeu a incoerência, o
aspecto anti-doutrinário do assunto, pois ao relatá-lo, sem ressalvas,
demonstra concordar plenamente com o que foi dito. Tal posicionamento se
contrapõe frontalmente à Doutrina Espírita. Além do mais, tendo-se em vista a
natureza eminentemente educadora do Espiritismo, entende-se que, numa obra
espírita, quando há o relato de uma atitude equivocada, aterrorizante ou menos
edificante, deve haver um comentário que mostre claramente o seu aspecto
negativo, a fim de que a gravidade das cenas ou dos acontecimentos não seja
minimizada, deixando passar ao leitor menos esclarecido a idéia de que se trata
de algo mais ou menos natural.
Há muitos outros pontos anti-doutrinários na obra, mas seria por demais longa a
tarefa de examiná-los todos. Seria o caso de se escrever um outro livro.
José Passini
Juiz de Fora MG
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