Cônscio da responsabilidade que cabe a todos nós,
espíritas, no sentido da manutenção da fidelidade à Doutrina que nos ilumina os
caminhos, é que tomamos a liberdade de trazer-lhe, minha Irmã, meu Irmão,
algumas considerações a respeito do cuidado que devemos ter quanto ao uso do
nome “Espiritismo”.
No Espiritismo não há autoridades religiosas que
devam ser consultadas a fim de darem seu parecer favorável ou contrário a
qualquer publicação, seja livro, filme, programa na internet. Uma das vigas
mestras da estrutura do Espiritismo é a liberdade. Mas, essa liberdade atribui,
ao mesmo tempo, alta responsabilidade, àqueles que dirigem uma instituição
espírita, seja um centro, uma editora, uma livraria ou um clube do livro, pois
que têm responsabilidade direta por aquilo que é passado ao público, em nome do
Espiritismo. Uma análise criteriosa de algo passado ao público em nome da
Doutrina é, não raro, tachada de intolerância, de censura. Se a obra em questão
é mediúnica, há aqueles que consideram falta de caridade praticada contra o
médium, qualquer observação discordante.
O Espiritismo é uma doutrina de livre-exame,
adotada por livres-pensadores. Seu embasamento dá-se em Jesus e em Kardec.
Noutras religiões, há conselhos formados por membros que detêm poder no campo
doutrinário, e esses conselhos deliberam sobre pessoas que devam ser acatadas ou
banidas do grupo, como também deliberam sobre práticas, inovações e
publicações.
No Espiritismo não há nada disso. Entretanto, todos
os espíritas temos responsabilidade definida naquilo que apresentamos ou que
apenas prestigiamos em nome da Doutrina. Cada espírita é, no âmbito de suas
atividades, um guardião dos seus princípios básicos, cabendo-lhe – para ter o
direito de dizer-se espírita – o dever de, no âmbito de suas atividades,
resguardar-lhe a coerência, a nobreza, a objetividade, a clareza, a simplicidade,
a fidelidade aos princípios ético-morais do Evangelho de Jesus e aos princípios
doutrinários estabelecidos pelos Espíritos Superiores, codificados por Kardec.
Assim sendo, um espírita ao tornar público algo que
diga respeito à Doutrina, não necessita obter permissão de nenhum órgão censor
ou controlador. Entretanto, deve avaliar se aquela mensagem – seja um simples
folheto, uma mensagem recebida mediunicamente num centro, um artigo ou um livro
– vai contribuir para o despertamento ou para o esclarecimento de alguém. Deve
avaliar, com segurança, se acrescenta algum conteúdo útil, ou se está apenas
repetindo lugares comuns, levando seus leitores ou ouvintes a uma perda de
tempo. A questão se reveste de maior gravidade quando o leitor ou o ouvinte não
conhece o Espiritismo. Algumas vezes, certos livros ou oradores causam péssima
impressão seja pela ingenuidade dos conceitos, seja pelos absurdos
apresentados.
Infelizmente, esse é o quadro com que nos deparamos
na atualidade. Nota-se uma verdadeira avalancha de publicações ostentando o
nome de espíritas. Vão desde as simples mensagens mediúnicas obtidas em centros
espíritas, até a obras volumosas, mediúnicas ou não, cujos autores lançam ao
público, sem uma avaliação cuidadosa quanto aos efeitos que sua iniciativa
possa produzir.
Há publicações contendo comunicações simplórias
obtidas em reuniões mediúnicas, sem conteúdo algum e, às vezes, com conteúdo
equivocado, até contrário àquilo que a Doutrina Espírita ensina.
Outras vezes, são livros com revelações
mirabolantes, em linguagem não-condizente com a seriedade e a nobreza sempre
observadas nas expressões dos Espíritos comprometidos com o Bem. São obras que,
de permeio a algumas páginas boas, com bons comentários a respeito do
Evangelho, trazem longas descrições de zonas tenebrosas, capazes de criar
imagens negativas nas mentes menos avisadas, revivendo em muitas a terrível
imagem do sofrimento após a morte. Há livros que primam pela apresentação de
revelações atemorizadoras, profecias de ocorrências catastróficas que, embora
com datas previstas, já se têm revelado falsas, por não se terem efetivado.
Nota-se, no ar, uma tendência infrene de se
publicar tudo o que aparece, como se o maior trabalho que se faz no Espiritismo
fosse a sua propaganda, feita de qualquer modo. Conscientizemo-nos de que o
Espiritismo não precisa de promoções, como se fosse mercadoria a ser
apresentada ao público. Embora não pareça, há diferença entre propaganda e
divulgação. A divulgação do Espiritismo será muito mais eficaz se promovida
através de literaturas e de palestras equilibradas, comedidas e,
principalmente, da vivência pessoal, pelos espíritas, dos postulados do
Evangelho.
Lembremo-nos de Kardec que, malgrado o pouco tempo
de que dispunha, face aos deveres profissionais, enfrentando os imensos tabus
religiosos reinantes, enfrentando o custo elevado de material impresso, sem
rádio, televisão ou internet, conseguiu divulgar o Espiritismo de maneira
espantosa. A Doutrina foi sendo difundida, sempre em ritmo crescente, com segurança,
firmeza e seriedade. Por que, agora, pretender-se uma propaganda leviana,
sensacionalista, oportunista? Por que nos encantarmos com o volume de edições
de livros, se não lhes avaliamos o conteúdo? Ou mesmo com o sensacionalismo de
alguns expositores desejosos de inovar?
Será lícita a falta de coragem do responsável pela
organização de palestras ou seminários, numa casa espírita, em pedir
esclarecimentos ao expositor sobre pontos julgados duvidosos em sua exposição?
Se o questionamento for acatado com boa vontade e suficientemente esclarecido,
isso mostra que o expositor está seguro do que expôs e está interessado em
servir a Doutrina. Caso contrário, ao demonstrar-se agastado, ficará
evidenciado que o amor à sua figura pessoal está acima da fidelidade aos
conceitos doutrinários.
O que responderemos àqueles que, ao ingressarem nos
estudos da Doutrina, nos perguntarem sobre pontos duvidosos expostos num livro
ou numa palestra? Essa é uma difícil hora de testemunho à verdade, quando
devemos colocar o nosso zelo para com a Doutrina acima de falsas noções de
fraternidade, lembrando-nos da recomendação de Jesus: “Seja, porém, o vosso
falar: Sim, sim, Não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna.”
(Mat, 5: 37).
Há aqueles que argumentam, dizendo que temos
liberdade de ler tudo, tomando como base o ensinamento de Paulo: "Examinai
tudo. Retende o bem.” (I Tes, 5:21). Sim, é verdade, não existe nenhuma
orientação espírita no sentido de proibir qualquer leitura. Mas, devemos ter em
mente que podemos comprometer o nome do Espiritismo não com o que lemos, mas
com o que damos a público em seu nome. Por isso, é lícito nos perguntemos se
temos tido o cuidado de examinar o que se publica em nome do Espiritismo. Ou
temos deixado correr? Quem é o responsável pela fidelidade doutrinária?
Urge, mais do que nunca, uma ação corajosa,
consciente de fidelidade não só à Doutrina, mas a nós próprios, à nossa
consciência, pois "quem cala, consente".
José Passini
jose.passini@gmail.com
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