Qualquer obra ao ser exposta ao público
fica sujeita à análise, à apreciação, à crítica, da parte daqueles que a
examinam, seja ela uma escultura, uma música, uma pintura ou uma página
literária.
No mundo da literatura, há até a
atividade normal de pessoas que se especializam em crítica literária,
exercendo-a, sem que os autores de artigos ou de livros sintam-se ofendidos por
verem suas idéias, suas posições, ou opiniões serem analisadas, criticadas,
contestadas, desde que através de linguagem compatível com a ética e com o
respeito.
Esses trabalhos de crítica literária
são, não raro, usados em estudos levados a efeito em academias de letras, ou em
cursos universitários de língua e literatura, com real proveito para aqueles
que se entregam ao aprendizado da arte de bem escrever, seja num Curso de
Letras, seja num de Comunicação Social.
Tendo consciência de que haverá aqueles
que analisarão e darão a público sua apreciação sobre aquilo que publica, o
autor, por certo, preocupar-se-á com o que diz, e como o diz, ou seja, com o
conteúdo e com a forma.
No meio espírita, infelizmente, isso
não se dá. Atualmente, assiste-se a uma verdadeira avalancha de obras, na
maioria mediúnicas, cheias de inovações, de revelações, de modismos, sem que
haja espaço na imprensa espírita para uma apreciação séria, clara, fraterna, a
respeito de conteúdos altamente duvidosos, que são levados a público como se
fossem verdades reveladas.
Paulo, a maior autoridade em assuntos
mediúnicos nos tempos apostólicos, conforme se constata nos caps. 12 e 14 da
sua Primeira Carta aos Coríntios, dentre outras orientações, recomenda: “E
falem dois ou três profetas, e os outros julguem.”1 Sábio conselho, repetido
reiteradamente mais tarde na obra de Kardec, destina-se à prevenção contra o deslumbramento,
a vaidade, à atuação de Espíritos enganadores no intercâmbio mediúnico. Cuidado
semelhante pode-se observar também em João: “Amados, não creiais a todo o
espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque já muitos falsos
profetas se têm levantado no mundo.”2
Será que estamos esperando que aqueles
que combatem o Espiritismo venham trazer a público certos absurdos que estão
sendo publicados ante a comunidade espírita completamente silente, sem que
tenhamos meios de demonstrar-lhes que certas “revelações” foram contestadas? Ou
será que foi esquecido o brocardo: “Quem cala, consente.”? Será que Kardec não
sairia hoje em defesa dos verdadeiros postulados espíritas? Ou calar-se-ia,
receando desagradar pessoas? Onde podemos situar a recomendação de Erasto:
“Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só
teoria errônea.”3
A Federação Espírita Brasileira e
várias outras editoras são entidades de utilidade pública e que, coerentemente
com o que ensina o Espiritismo, não visam a lucros. Malgrado esses nobres
exemplos, instalaram-se inúmeras editoras que aí estão a divulgar obras que
contrariam frontalmente os postulados espíritas, através de publicações que,
embora declarem serem os recursos obtidos destinados a entidades assistenciais
– o que jamais deve influir na análise doutrinária das publicações – agem como
entidades meramente comerciais, colocando o lucro acima do ideal da
divulgação.
O médium, autor material dessas obras,
por vezes é pessoa bondosa, bem intencionada, até promotora de nobres
atividades no âmbito da assistência social. Mas o seu trabalho nesse setor será
suficiente para legitimar sua produção mediúnica, transformando-a em livros?
Lamentavelmente, há aqueles que confundem caridade com pieguismo. Dizem que não
se pode ir contra um irmão. Ninguém, em sã consciência deve criticar o autor,
mas sim a obra. Aquele deve ser preservado, em nome do respeito que se deve ter
para as suas boas intenções, mas esta deve ser analisada, dissecada. Essa
maneira de agir aprende-se com Jesus, que nunca atacava o pecador, mas o
pecado.
Nesse contexto, deve ser ressaltada a
responsabilidade daqueles que dirigem estabelecimentos espíritas, sejam centros
ou livrarias, no sentido de fazerem a devida seleção do material escrito
divulgado no recinto da instituição. Muito maior do que a preocupação com o
conteúdo da exposição oral, deve ser o cuidado com o material impresso entregue
ao público, seja livro ou folheto avulso, pois um livro adquirido, ou tomado
por empréstimo, numa instituição espírita – principalmente para o leigo –, será
tomado como legítimo.
Entretanto, há dirigentes que se
abrigam sob a capa de uma falsa caridade em relação aos autores. Omitem-se
quanto a um cuidadoso exame, deixando de ler, ou de colocar nas mãos de irmãos
responsáveis, para análise, muitas obras que estão aí a tentarem desmentir a
seriedade da mensagem espírita, permitindo seja ela apresentada na forma de
romances, relatos, “revelações”, em linguagem absolutamente não condizente com
a seriedade e com a nobreza da doutrina que herdamos de Kardec.
José Passini
jose.passini@gmail.com
1. I Co, 14: 29
2. I Jo, 4: 1
3. O Livro dos Médiuns, 230
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