“... de graça recebestes, de graça daí.”
Jesus (Mt, 10: 8)
Vez por outra, discute-se no meio
espírita a questão do pagamento de taxa de inscrição para participação em
eventos doutrinários. É tema delicado, que envolve muitas situações
particulares e, às vezes, se choca frontalmente com opiniões até apaixonadas de
alguns irmãos. Por isso, merece a atenção e a preocupação daqueles que se
propõem ao trabalho espírita, mantendo as atividades sob a sua responsabilidade
dentro dos parâmetros saudáveis que não são facilmente verbalizáveis numa lista
de “permitido/proibido”, mas intuitivamente sentidos por todo espírita que
busca agir com equilíbrio e bom-senso.
É imprescindível tenhamos cuidado
constante, muita vigilância e apoio na oração, na busca de diretrizes do Alto,
a fim de não levarmos o Movimento Espírita a incidir nos mesmos desvios
sofridos pelo Movimento Cristão que, vagarosa e imperceptivelmente se tornou
uma religião institucionalizada, hierarquizada, na qual o trato com valores
monetários passou, da contribuição espontânea para assistência aos mais
necessitados, à fixação de taxas disfarçadas sob vários nomes, encaminhadas
para a manutenção do profissionalismo, construção de prédios e acumulação de
riquezas.
Necessário se faz que nós, que
abraçamos a Doutrina Espírita – e que temos a certeza inabalável da sua missão
de reviver o Cristianismo na sua pureza, simplicidade e pujança originais –
avaliemos as ações que estão sendo levadas a efeito na nossa esfera de decisão,
com vistas aos reais objetivos do Espiritismo.
Entre os extremos de dar tudo de graça
– inclusive livros – e cobrar entrada ou taxa de inscrição para palestras,
simpósios, seminários, há um meio-termo ideal, ditado pelo bom-senso.
Mesmo no tocante ao livro, devemos tomar
cuidado para que não se estabeleça uma comercialização exacerbada, em
detrimento da qualidade das obras, como, lamentavelmente, já se vê. O produto
da venda do livro espírita deve objetivar o ressarcimento dos custos, ou a
manutenção de atividade social. Infelizmente, não é o que se constata em muitos
casos, diante do alto preço de obras – algumas de qualidade duvidosa, sob o
aspecto doutrinário – que têm sido lançadas no mercado ultimamente, muitas das
quais vendidas em livrarias ou centros espíritas, cujos dirigentes, muitas
vezes, tentados pela obtenção de recursos para melhoria de instalações para ou
trabalho assistencial, deixam de examiná-las criteriosamente. Não estamos
defendendo, com isso, o estabelecimento de um “index”. Só nos move a lembrança
de que uma instituição espírita ao divulgar uma obra está – para a maioria das
pessoas – dando-lhe aval doutrinário.
O ideal seria que as editoras fossem
sociedades civis, dirigidas por conselhos não-remunerados, como acontece nos
centros e outras entidades espíritas. Conforme as conveniências, os livros
poderiam ser confeccionados em empresas especializadas e as entidades espíritas
promoveriam a sua venda a preços capazes de apenas manter as editoras
funcionando. Somente os profissionais dessas sociedades seriam assalariados
para a prestação de serviços específicos, como existem em muitas entidades
espíritas.
Quanto ao pagamento de taxa de inscrição, há pessoas que argumentam não terem
as casas espíritas fundos suficientes para cobrir despesas com viagem de
expositores, aluguel de auditório, material de trabalho. Daí, argumentam, a
necessidade da cobrança de taxa de inscrição.
Será que não há outros meios de se
resolver o problema? Sempre chamamos a atenção de companheiros de ideal,
dirigentes de casas espíritas, para o fato de necessitarmos de colaboradores
financeiros, a fim conseguir recursos para o pagamento de despesas, como água,
luz, telefone, material de limpeza, conservação do imóvel, etc. Há grupos
espíritas que têm excesso de escrúpulos no sentido de pedir ao público em
geral, levando o ônus financeiro a alguns poucos. Neste particular, lembramos
Emmanuel, que aconselhou: “As obras espíritas devem ser mantidas com o pouco de
muitos e não o muito de poucos.”
Concordamos que determinados eventos
demandam grande movimentação financeira, entretanto cremos que há outros meios,
que não sejam o de pura cobrança de taxa de inscrição ou ingresso. São
procedimentos mais trabalhosos, mas parece-nos serem mais féis à maneira
espírita de agir.
Por exemplo: planeja-se um seminário
para algumas centenas de pessoas. Sabemos que há custos: material para estudo,
pastas, e, às vezes, aluguel de auditório, serviço de som, etc. Nesse caso, por
que não fazer um levantamento prévio dos custos e solicitar a contribuição
sigilosa e espontânea daquele que se inscreve, alertando que, se todos pudessem
pagar, o custo “per capita” seria tal, mas como nem todos dispõem de recursos,
pede-se um pouco mais daqueles que podem doar.
Não se estaria assim evitando uma
seleção de participantes com base no poder monetário? Como ficaria a
situação de uma família que, integrada no movimento espírita, não tivesse
recursos para pagamento da taxa?
Alguém, num juízo apressado, poderá
dizer que não dará certo, vez que as pessoas não estão preparadas para uma
contribuição espontânea. Nesse caso, achamos que seria necessário inicialmente
um longo trabalho educativo dessa comunidade, a fim de sensibilizá-la para o
exercício da fraternidade cristã, o que significaria uma boa base para o posterior
aproveitamento de seminários mais teóricos.
Se medidas como essas não derem certo,
é porque aquela comunidade espírita ainda não está suficientemente madura para
empreendimentos mais amplos. Carece-lhe base. Nesse caso, seria preferível a
não-realização do evento. O prejuízo para a divulgação da Doutrina Espírita
seria menor.
Lembremo-nos de que Paulo divulgava o
Cristianismo viajando a pé, trabalhando em teares alugados, hospedando-se em
casa de irmãos, falando diante de pequenos grupos. A divulgação do Cristianismo
foi feita num trabalho de “contaminação” quase que de pessoa para pessoa. Não
devemos perder isso de vista. Não desejemos trabalhos de “massificação” no
Espiritismo. Sua maior propaganda é feita pelo testemunho de vivência pessoal
dos espíritas. Lembremo-nos de que, durante mais de um século, o Espiritismo
divulgou-se sem cobrança de inscrições e de ingressos e sem essa
comercialização desvairada de livros... E divulgou-se muito, de maneira segura.
E quando nos assalte a dúvida, é só olharmos para os imensos patrimônios
materiais que os nossos predecessores nos deixaram e imaginarmos como eles
conseguiram isso tudo.
José Passini
Juiz de Fora
MG
jose.passini@gmail.com
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